Governo de MG esteriliza e amordaça Consulta Prévia, Live e Informada dos Povos Tradicionais. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Dia 20 de abril último (2022), participamos de
Audiência Pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de
Minas Gerais (ALMG), ocasião em que todas as Entidades e Organizações de
Direitos Humanos e Povos e Comunidades Tradicionais repudiaram com veemência e
exigiram a revogação e a anulação da Resolução da SEMAD[2]/SEDESE[3],
do Governo de Minas Gerais, publicada dia 05 de abril de 2022, no Diário
Oficial do estado, porque é inconstitucional, esteriliza, amordaça e mata a
Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI) dos Povos e Comunidades Tradicionais
no estado de Minas Gerais. Viola brutalmente todos os direitos dos Povos e
Comunidades Tradicionais. A injusta Resolução fere princípios básicos de
participação e da própria Convenção 169 da OIT[4]
da ONU[5],
que faz parte do ordenamento jurídico do país, desde 2004. A Convenção 169 da
OIT “tem por objetivo ser um instrumento
de proteção e salvaguarda dos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais,
garantindo-lhes, entre outros, o direito à autoatribuição/autodeclaração, o
direito à consulta e de participação da tomada de decisões que possam trazer
impactos ao seu modo de vida”. A famigerada Resolução faz uma inversão: os
Povos e Comunidades Tradicionais são tratados como SOBREPOSTOS às áreas dos
projetos. Defende a ideia de que injustiça é os Povos e Comunidades
Tradicionais estarem em áreas de interesse da gula sem fim do grande capital. A
ilegal Resolução restringe muito o número de comunidades diretamente afetadas,
que serão consultadas sob mordaça. Diz que só serão consultadas Comunidades certificadas
após Certidão de Autorreconhecimento como Comunidade Tradicional emitida pela
CEPCT-MG[6],
FUNAI[7]
e Fundação Palmares. Sabemos que pouquíssimas Comunidades são certificadas e já
há um bom tempo a CEPCT-MG não emite mais certidão. O CEDEFES[8]
já inventariou mais de 1.000 Comunidades Quilombolas em Minas Gerais e há
milhares de outras Comunidades Tradicionais em processo de autorreconhecimento e/ou
em fase de solicitação de certificado. No mais, a autoatribuição em si, já
seria suficiente, segundo a Convenção 169 da OIT, garantindo a autonomia emancipatória
dos Povos e Comunidades Tradicionais. Por isto, restringir a CPLI às
comunidades já certificadas é grave infração por parte da Resolução da SEMAD e
SEDESE, que joga para a invisibilidade as comunidades que não se apresentaram oficialmente
para as instituições públicas e/ou optaram por não se apresentar ainda, mas que
tem seus iguais direitos garantidos e constituídos.
Conforme bem apontado pelas representantes da
Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DPE/MG), Dra. Ana Cláudia
Alexandre, e do CEDEFES, Dra. Alenice Baeta, durante a Audiência Pública
conduzida pelas Deputadas Estaduais Andreia de Jesus e Beatriz Cerqueira, esta
Resolução é nitidamente um ato de retrocesso, o que não é admitido pelas cortes
internacionais e por todo o corolário de normas internacionais no âmbito dos
Direitos Humanos. A “Proibição do Não-Retrocesso” é instituto fulcral e deve
ser severamente respeitado, pois configura-se claro interesse por parte do
estado de Minas Gerais em reestabelecer o “Regime de Tutela”, já superado por
meio das conquistas emancipatórias e de autonomia, sobretudo, no âmbito da alteridade
sociocultural e histórica, respeitando de forma incondicional as
especificidades culturais e territoriais de cada Povo e Comunidade Tradicional.
Tal resolução revela, todavia, por parte do estado de Minas Gerais o seu
arraigado Racismo Socioambiental e a Discriminação institucional para com os Povos
e Comunidades Tradicionais e desrespeito total aos seus direitos constituídos.
Esta inconstitucional Resolução prevê
que, não havendo consenso na Consulta aos Povos e Comunidades Tradicionais, a
decisão final será da SEMAD, mesmo que os Povos e Comunidades consultados
neguem a aprovação do empreendimento. Isto é, portanto, tentativa insana e
irresponsável de retomar a tutela dos Povos Tradicionais, o que é inadmissível!
Se a SEMAD com a Câmera de Atividades Minerárias (CMI) do COPAM[9] tem
aprovado todos os grandes projetos das grandes mineradoras, é óbvio que é
injusto, inconstitucional e violação ao que está prescrito na Convenção 169, deixar
a SEMAD decidir. Isto significa, na prática, atropelar e violentar os direitos
dos Povos e Comunidades Tradicionais, pois, injustamente, a SEMAD tem atuado de
forma subserviente aos interesses das grandes empresas.
É imoral, injusto e inconstitucional, conforme
definido na Resolução, atribuir ao responsável pela CLPI - entre eles as
empresas com seus grandes interesses capitalistas – o poder de definir quem são
os Povos e Comunidades Tradicionais (PCTs) afetados, qual é a área diretamente
afetada (ADA), ditar prazos, estabelecer a metodologia, o plano e conduzir todo
o processo regido pela boa-fé das partes envolvidas. Inadmissível isso tudo.
Esta Resolução é injusta também porque impõe
prazos que violam o caráter livre e informado da consulta, como por exemplo, o
prazo de 45 dias corridos para a elaboração de Protocolos de Consultas e 120
dias para a conclusão da consulta. Isso
é desrespeito ao tempo das Comunidades Tradicionais. Para ser Livre a Consulta,
quem deve determinar o tempo são as Comunidades Tradicionais; não pode ser uma
Consulta acelerada, no ritmo dos interesses do grande capital. Outro absurdo
desta Resolução: apregoa que as empresas poderão contratar empresas consultoras
para elaborar a Consulta Prévia, Livre e Informada. Isso é o mesmo que colocar
raposa para arrumar o galinheiro. Esta injusta Resolução foi publicada após o Ministério
Público expedir Recomendação para suspender as Audiências Públicas do Projeto
do Bloco 8 da Mineradora SAM, em Grão Mogol e Fruta de Leite, no norte de MG.
São ilegais e inconstitucionais os EIA-RIMA[10]
da mineração da SAM no norte de MG, sem antes fazer a Consulta Prévia, Livre e
Informada. Da mesma forma, o edital de licitação do Rodoanel, rodominério, na Região
Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH). Absurdo dos absurdos o Governo de MG
continuar insistindo em fazer a licitação do Rodoanel, obra faraônica,
autoritária, eleitoreira, hidrocida, ecocida, dragão do Apocalipse, estrada da
morte que levará Belo Horizonte e RMBH da grave crise hídrica ao colapso
hídrico. Tudo isso sem fazer a Consulta Prévia, Livre e Informada a mais de dez
Comunidades Quilombolas e dezenas de outras Comunidades Tradicionais que estão
no trajeto do Rodoanel. É injusto e inconstitucional facultar às empresas
determinarem qual é a “área diretamente afetada” e restringir a Consulta Livre,
Prévia e Informada a esta eventual “área diretamente afetada”. Os efeitos
socioambientais dos grandes empreendimentos ocorrem de forma sistêmica e
contínua para além do perímetro deliberado e interessadamente compreendido como
“área diretamente afetada”.
Esta Resolução é semelhante às resoluções
bolsonaristas do desgoverno Federal que tem o objetivo de desmontar todos os
instrumentos legais de proteção dos direitos humanos, sociais e ambientais,
conquistados com muita luta. Esta covarde Resolução vai contra a legislação,
somos contra ela; é um retrocesso às conquistas dos Povos e Comunidades Tradicionais.
O Governo de MG, Romeu Zema, está facilitando a todo custo o licenciamento com esta
Resolução e com Audiências Públicas ilegais que são farsas públicas. Reiteramos
nosso posicionamento: somos contrários a esta resolução violentadora de
direitos. Exigimos que esta Resolução seja Cancelada, anulada e jogada na lata
de lixo da história.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) e
outras mais de 100 Comunidades Tradicionais, organizações da sociedade civil, Movimentos
Sociais Populares publicaram Nota denunciando que o Governo de MG, ao expedir a
Resolução conjunta da SEMAD/SEDESE, está violando a Convenção 169 da OIT/ONU e
entidades exigem revogação/anulação imediata desta resolução. Esta Resolução é
mais uma manobra do Governo Zema, a serviço dos grandes empreendimentos, das
mineradoras e empresas do setor de energia, grandes empresas da idolatria do
mercado, para criar uma aparência de diálogo. A verdade é que ela é violenta e
retira os direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Precisamos dizer o óbvio aqui: à SEDESE
compete fortalecer e ampliar instrumentos de democracia direta e participativa;
além de promover ações afirmativas e de enfrentamento à discriminação racial
contra a população negra, povos indígenas, quilombolas e comunidades
tradicionais. No entanto, injustamente, ao se posicionar como coautora desta
inconstitucional Resolução, a SEDESE está traindo sua missão. Como pode a
SEDESE e a SEMAD fazerem uma Resolução à revelia da Comissão de Povos e
Tradicionais do Governo de MG?
Diante das mudanças climáticas causadas pela imensa
devastação ambiental que os capitalistas vêm causando via agronegócio,
monoculturas, desmatamentos, garimpo etc., é absurdo dos absurdos uma Resolução
fajuta, ilegal, inconstitucional como esta da SEMAD/SEDESE e todas as resoluções,
portarias e decretos seja do desgoverno federal bolsonarista ou do desgoverno
Zema, que visam apenas “passar a boiada”, acelerando a implantação de grandes
projetos do grande capital que têm sido brutalmente devastadores
socioambientalmente. Esta resolução põe um manto de legalidade para pavimentar
violação brutal dos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais.
Mais que claro que o tal “Diálogo Social” usado como
diretriz do atual governo ZEMA e suas Secretarias parece que não se aplica
mesmo aos Povos e Comunidades Tradicionais, mas sim aos interesses do capital,
dos empreendimentos econômicos que geram somente a degradação socioambiental de
territórios e a pobreza do nosso povo. Perguntamos: o que teria motivado a
elaboração desta Resolução esdrúxula? Queremos explicações e transparência
sobre este processo absurdo e cobramos firmes posicionamentos por parte do
Ministério Público e da Defensoria Pública em nível estadual e federal a
respeito.
Basta de devastação socioambiental! Exigimos respeito aos direitos dos Povos e Comunidades Tradicionais. Que o Ministério Público e o Judiciário anulem esta brutal Resolução. Viva os Povos e Comunidades Tradicionais e Fora todos que insistem em passar o trator em cima dos Povos e Comunidades Tradicionais!
Referências.
26/4/2022
Obs.: As videorreportagens nos
links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Frei
Gilvander: Resolução do Governo de MG violenta direitos dos Povos Tradicionais
a Consulta CPLI
2 - “É necessário
Resolução do Governo de MG sobre a Consulta aos Povos Tradicionais?” (Dep.
Andreia)
3 - Geraizeiros
exigem anulação da Resolução do Governo de MG sobre Consulta Prévia Livre e
Informada
4 - Prof. Matheus
REPUDIA Resolução do Governo de MG sobre Consulta Prévia/Livre aos Povos
Tradicionais
5 - Dra. Laiza:
"Resolução da SEMAD e SEDESE é inconstitucional com vícios insanáveis.
Deve ser anulada"
6 - Dra. Ana Cláudia:
“Resolução do Governo de MG impõe RETROCESSO aos Direitos dos Povos
Tradicionais.”
7 - Tatinha Alves,
CEPCTs/MG: “Resolução é inconstitucional e facilita a entrada de mineradoras
nos ...”
8 - Dra. Alenice,
do CEDEFES: “Resolução do Governo de MG: retrocesso q violenta os Povos
Tradicionais.”
9 - Dra.
Alessandra lista série de ilegalidades da Resolução que viola direitos dos
Povos Tradicionais
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor
da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no
SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Secretaria Estadual de Meio
Ambiente e desenvolvimento Sustentável.
[3] Secretaria Estadual de
Desenvolvimento Social.
[4] Organização Internacional do
Trabalho.
[5] Organização das Nações Unidas.
[6] Comissão estadual de Povos e
Comunidades Tradicionais de Minas Gerais.
[7] Fundação Nacional do Índio.
[8] Centro de Documentação Eloy
Ferreira da Silva – www.cedefes.org.br
[9] Conselho Estadual de Política
Ambiental.
[10] Estudos de Impacto Ambiental e
Relatório de Impactos ao Meio Ambiente.