Na luta pela terra se aprende muito e o melhor. Por Frei Gilvander Moreira[1]
Crianças estão presentes no MST desde o primeiro acampamento, em 1985.
Foto: Juliana Adriano
Enquanto
pesquisávamos sobre a luta pela terra como pedagogia de emancipação humana, no
Acampamento Dom Luciano Mendes, em Salto da Divisa, Baixo Jequitinhonha, MG, em
roda de conversa, dia 22 de setembro de 2014, levantamos uma pergunta relativa
à aprendizagem: Desde a preparação para Ocupação e nos quase nove anos de
Acampamento Dom Luciano, o que vocês aprenderam em quase nove anos de luta pela
terra? O Sem Terra Getúlio Lopes do Nascimento disse: “Aqui na comunidade, eu aprendi a conviver. Antes lutei muito, mas
sozinho só para beneficiar o patrão, mas aqui no Acampamento Dom Luciano aprendi
o conhecimento com outros companheiros”. Aldemir Silva Pinto, outro camponês
Sem Terra acampado pediu a palavra e relatou: “Aprendi muitas coisas. Aprendi a conversar. Eu não sabia nem conversar
com as pessoas. Esse acampamento Dom Luciano é uma escola pra gente. Aprendi
quais são nossos direitos. Antes, a gente não sabia de nada, só o patrão sabia.
Com a nossa luta pela terra, eu posso sair daqui e ir lá em Belo Horizonte
reivindicar nossos direitos. Hoje, eu falo em uma reunião sem tremer.
Aprendemos muito com a luta do MST[2].
E muita gente aqui do Salto da Divisa, os ribeirinhos e os posseiros aprenderam
os direitos deles com a nossa luta. Eles não sabiam que eles tinham direitos de
resistir nas terras onde eram posseiros.”
A luta
pela terra e/ou pela moradia irradia conhecimento em várias áreas, desperta o
protagonismo que estava abafado em muitas pessoas e afeta positivamente quem
está por perto. O Sem Terra Adriano Barbosa dos Santos narra com alegria que
aprendeu muitas coisas: “Aprendi muitas
coisas. Aprendi a ler e a escrever. Aprendi a trabalhar na enxada. Antes eu só
mexia com cavalo e gado. Aprendi a conhecer os companheiros e a respeitar os
direitos dos companheiros. Aprendi a lutar junto com os companheiros. Aprendi a
bater pandeiro e a fazer farra. Aprendi a dançar. Aprendi a fazer cesto.
Aprendi a conhecer uma cidade: Belo Horizonte, Brasília. Aprendi a chegar perto
da Presidenta Dilma. Se eu não fosse Sem Terra, eu nunca iria chegar perto
dela. Durante dez anos, eu trabalhei na cidade de Salto da Divisa como
segurança da praça dia e noite. Ganhava pouco. Adoeci. Peguei depressão. Após
eu adoecer, eles cortaram meu salário e me demitiram. Recuperei minha saúde e a
alegria de viver aqui no acampamento na luta pela terra. Aprendi que na luta
pela terra a gente melhora a saúde.”
Na luta
pela terra, os camponeses e as camponesas Sem Terra aprendem juntos. A luta
pela terra se torna uma escola de aprendizados emancipatórios. O Sem Terra Francelino
Lopes do Nascimento, hoje, assentado no Assentamento Dom Luciano Mendes os
outros mencionados acima, com alegria, diz: “Eu aprendi muita coisa. Antes eu só trabalhava para os outros. Quem
inventou que a gente tem que trabalhar para os outros e ser sempre explorado?
Vim pra cá e junto com os companheiros, fiquei assuntando, observando os
companheiros e fui aprendendo”. Na luta pela terra, os camponeses descobrem
o senso de que todos são uma só família, superando a ideia de família nuclear. O
Sem Terra Raimundo dos Santos complementa: “A
primeira vez que plantei aqui perdi. Depois plantei mandioca e comprei um
fogão. Aqui, em qualquer barraco que a gente entrar a gente come. Aprendi que
nós somos uma só família”. Fazer memória da sua trajetória de libertação e
emancipação também emancipa de alguma forma e desperta outros sem-terra para se
engajarem na luta pela terra: “Agradeço a
Deus toda hora. Agradeço ao primeiro acampamento que fiquei lá em Belmonte, na
Bahia, mas esse aqui – o Acampamento Dom Luciano – é o melhor. Se eu não
estivesse aqui, eu não teria conhecido Belo Horizonte, Brasília. Antes, eu
vivia empregado. Quando saía de uma fazenda ia para outra. Na luta pela terra,
aprendi a conviver com os companheiros. Aprendi a conversar mais um pouco.
Coisa difícil é a gente ser mandado pelos outros. Aqui nenhum companheiro
manda, mas o grupo manda após decidir em conjunto. Depois que o acampamento de
Belmonte acabou, eu ouvi no rádio que aqui estava tendo um acampamento. Decidi
vir pra cá. O rádio também ajudou”, me disse o Sem Terra Aulerino Lopes do
Nascimento.
A agente
de pastoral da Comissão Pastoral da Terra, (CPT) Irmã Geraldinha (Geralda Magela
da Fonseca), feliz
da vida, relata sua experiência de fé no meio da luta pela terra ao lado do
povo camponês expropriado da terra e superexplorado: “Eu não tinha antes a certeza da graça de Deus no meio do povo. Aprendi
que Deus e o evangelho estão aqui nos irmãos camponeses que lutam juntos pela
terra, partilhando e convivendo fraternalmente. Aprendi que a luta nos ensina
muito no dia a dia, cada um com seu jeito de ser e de agir. Se a gente não
estivesse tendo esse movimento de união, não estaríamos conquistando nossos
direitos. Tudo aqui é decidido em reunião. Muitas vezes, no início da reunião
ninguém sabe o que fazer e nem como fazer, mas um fala uma coisa, outro dá outra
ideia e devagarinho vão surgindo umas ideias boas. Cada dia estou aprendendo
que vivendo sozinho e isolado ninguém é capaz, mas juntos nós somos capazes de
vencer todos os obstáculos da nossa vida. Aqui
aprendemos a transformar as pedras, que são as perseguições, em pães,
pois essa terra aqui, mesmo estando em cima de um grande lajedo, hoje está
alimentando 43 famílias. Aprendemos a transformar os espinhos, que são as
ameaças, em graça de Deus, em ressurreição, em indignação e combustível para a
luta. Isso está muito forte dentro de mim.”
Entrevê-se
no discurso da irmã Geraldinha a importância de um humanismo libertador.
Acreditar no ser humano, cultivar amizade, discutir todos os problemas e,
coletivamente, buscar as soluções para cada problema e cada injustiça. Isso
reforça a marcha emancipatória. Curiosamente o protagonismo da luta pela terra
em Salto da Divisa não tem sido dos jovens, que tiveram que migrar para cidades
maiores por falta de terra, pela cumplicidade do Governo Federal com o latifúndio
e com os latifundiários não libera a terra para o povo e pela falta de
oportunidades. De fato, em Salto da Divisa, pais e mães, que nasceram e
cresceram no campo, é que estão sendo protagonistas da luta pela terra. Uma
jovem camponesa Sem Terra, Adenilza Soares Rodrigues, uma dos poucas jovens do
Acampamento Dom Luciano, explica: “Aqui
no Acampamento Dom Luciano Mendes, a liderança da luta não está sendo dos
jovens. No início da ocupação havia muitos jovens, mas com a demora da
conquista da terra tiveram que ir embora para cidades maiores por falta de
oportunidades. Muitos jovens não querem ficar na roça por causa da falta de
energia, de internet e por causa da vida com poucas oportunidades. Mas, além de
querer resgatar o que tomaram de mim quando eu era criança, eu luto por um
pedacinho de terra para meus filhos. Aqui no acampamento eu aprendi o que é ser
revolucionária. A experiência que eu aprendi aqui aprendi com os mais idosos.”
Enfim, a luta pela terra e/ou pela moradia, em um Acampamento ou Ocupação se torna uma Escola que ensina muito e o melhor, de mil jeitos e de forma emancipatória.
17/5/2022
Obs.: As videorreportagens
nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - “Nossa Mãe, nós e
nossos filhos e netos viverão aqui no nosso Quilombo Araújo, Betim, MG”. Vídeo
4
2 - Basta de
sexta-feira da Paixão em Betim, MG! Construamos Domingos de Ressurreição.
Araújo! Vídeo 3
3 - Ato Público e
Culto na Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG.
Início/Vídeo 1
4 - Culto de
Resistência n Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG.
Luta! Vídeo 2
5 - "Se Medioli
não respeita pobres e derruba suas casas, não pode mais ser prefeito de
Betim/MG": Zélia
6 - “Em Betim/MG,
prefeito Medioli faz guerra contra os pobres e destrói casas” (Adv. Dr. Ailton
Matias)
7 - Na ALMG: “Da
nossa Comunidade Tradicional Quilombola Família Araújo, de Betim/MG, só saímos
mortos”
8 - Frei Gilvander,
na ALMG: “Despejo Zero não só até 30/6/22, mas para sempre! Cadê a função
social?”
[1] Frei e padre da
Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel
em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese
Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor
da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no
SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros.
E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira
III
[2] Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra – www.mst.org.br
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