Luta por direitos, ética e comunicação. Por frei Gilvander Moreira[1]
Vive-se no Brasil a violação dos direitos fundamentais. Exemplos disso: o desmonte dos direitos trabalhistas. | Nivea Martins e Victor Oliveira/Mídia NinjaNa era do celular e da
internet (instagram, whatsapp, facebook, tiktok etc) está muito mais difícil o
Estado e a classe dominante sustentarem sua hegemonia primando exclusivamente
pelo emprego da força bruta militar. A classe dominante lança mão dos grandes
meios de comunicação e da internet para colocar na pauta do cotidiano das
pessoas o entretenimento, o economicismo e a violência (tríade que atualiza a
política do “pão e circo”), tudo isso trombeteado aos quatro ventos. Assim,
mais escondendo do que revelando, o poder midiático se tornou ‘o maior partido
político’, pois constrói falsos consensos que ‘legitimam’ a ação repressora do
Estado e da classe dominante. Por isso, atualmente é inconcebível a luta pela
terra, por território e por moradia sem um intenso processo de comunicação a
partir da microcomunicação. Não basta mais só lutar. É preciso lutar e
comunicar permanentemente e de forma intensa as lutas que estão sendo travadas
e os seus desdobramentos. Isso altera a correlação de forças e o ‘equilíbrio’
que o filósofo Antonio Gramsci alerta dever existir para a perpetuação da
hegemonia da ordem estabelecida. Assim
como o Estado não pode usar só a força para se impor, mas precisa buscar
consensos, na luta pela terra, por território e por moradia, para que a luta
por direitos seja de alguma forma pedagogia de emancipação humana, não basta os
Sem Terra, os Sem Teto e os Povos Tradicionais se unirem, se organizarem e
ocuparem os latifúndios que não cumprem sua função social e retomarem seus
territórios que foram invadidos e grilados de muitas formas ao longo de 522
anos, mas é preciso, também, buscar consensos na sociedade disputando a opinião
pública para apoiar a causa da democratização e da socialização da terra, dos
territórios e dos direitos sociais, entre os quais está o morar de forma
adequada. Se o movimento de luta pela terra, por território e moradia se isola,
fica fácil ser aniquilado pelas forças do latifúndio, do agronegócio, da
especulação imobiliária, do Estado, enfim, forças do capital.
Atento a isso, nos
últimos dez anos, gravamos no calor das lutas mais de quatro mil videorreportagens
e disponibilizamos na internet (youtube, facebook, blogs, whatssap, instagram
etc), os quais já têm mais de três milhões de visualizações no total. Alguns
desses vídeos me renderam processos judiciais movidos por empresas, juiz, desembargadora
e empresários, porque ficaram incomodados com as denúncias que fizemos. Todos
alegam ‘calúnia, injúria e difamação’, mas estão todos dentro do direito à
informação e da liberdade de expressão.
Participar de lutas
por direitos é imprescindível. A essência da participação está em romper
voluntária e conscientemente pela luta a relação assimétrica de submissão e de
dependência existente no binômio sujeito-objeto, segundo a qual o sujeito seria
o ativo e o objeto, o passivo. E, obviamente, desestabilizar as estruturas e
instituições que sustentam assimetrias e desigualdades. Para isso é elementar
não recairmos em uma espécie de esquizofrenia social, onde alguém luta por
justiça sem ser justo; denuncia violação de direitos humanos, mas no comportamento
pessoal é machista, racista, homofóbico, antiecológico e imoral. Isso corrói
como vírus transmissível o tecido social de quem busca emancipação. Sem colocar
em prática o melhor do ser humano pelo qual se luta não pode haver emancipação.
A coerência pessoal e a integridade moral do militante da luta pela terra, por
território e moradia é condição sine qua non para a lutar avançar em conquistas de direitos sociais e, assim, ser
de alguma forma emancipatória.
Para analisarmos as
relações entre a política, a subjetividade social e uma ética emancipatória com
o objetivo de construirmos uma sociedade justa e solidária não basta
considerarmos a concepção de poder da filosofia dialética marxista, mas
precisamos também da ótica foucaultiana de análise do poder bem apresentada
pelo pensador Jorge Acanda, assim: “O
poder não é uma instituição, nem uma estrutura, nem uma certa força de que
certas pessoas são investidas; é o nome dado a uma relação estratégica complexa
em uma determinada sociedade. [...] Na realidade, o poder significa relações,
uma rede mais ou menos organizada, hierárquica, coordenada. [...] O que faz com
que o poder se sustente, que seja aceito, é simplesmente que ele não pesa
apenas como um poder que diz não, mas realmente penetra, produz coisas, induz
ao prazer, forma saberes, produz discursos; deve ser considerado como uma rede
produtiva que perpassa todo o corpo social e não como uma instância negativa
cuja função é reprimir” (ACANDA, 2000, p.
91).
Entendemos ‘sociedade
civil’ não como algo separado da sociedade política e do Estado, como assinalou
Gramsci (Cf. ACANDA, 2002, p. 254), mas como “cenário legítimo de confronto de aspirações, desejos, objetivos,
imagens, crenças, identidades, projetos, que expressam a diversidade
constituinte do social” (ACANDA, 2002, p. 257).
Diante do esgotamento
e das contradições do socialismo real centrado no Estado, para que a luta pela
terra, por território e por moradia seja pedagogia de emancipação humana é imprescindível
repensar o socialismo inclusive nas perspectivas ética, cultural e ecológica. Jorge Acanda pondera: “O esgotamento
histórico do modelo de socialismo baseado na unicentricidade do Estado, e a
necessidade de avançar para a organização de um socialismo pluricêntrico,
acarreta a necessidade de interpretar o socialismo como tensão e de estruturar
um projeto alternativo às receitas neoliberais que não seja apenas econômico e
político, mas também – e sobretudo – moral, cultural e ecológico” (ACANDA, 2003, p. 131).
Enfim, lutar por direitos exige comunicação intensa que fure a bolha da ideologia dominante e dê visibilidade às reivindicações justas e legítimas dos grupos injustiçados. Participar é imprescindível, mas cultivando a ética do que pode haver de melhor na pessoa humana.
Referências
ACANDA, Jorge Luis. Luces y sombras, la apropiación de Gramsci en Cuba en
el último decenio. In: Hablar de Gramsci. La Habana: Centro
Juan Marinello, 2003.
___. Sociedad civil y hegemonía. La Habana: Centro Juan Marinello, 2002.
08/02/2023
Obs.: As
videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.
1 - Frei Gilvander e CPT: Exigimos a Preservação integral da
Mata do Jd. América, BH/MG! Natureza, SIM!
2 - Prédios de 17 andares com quase 500 aptos de luxo na Mata
do Jd. América em BH/MG? Inadmissível!
3 - “Basta de propostas conciliatórias sobre a Mata do Jd.
América, em BH/MG! Preservação 100%, JÁ!"
4 - Basta de especulação imobiliária na Mata do Jd. América,
em BH/MG! O justo é preservação 100%, JÁ!
5 - SALVE a Mata do Jd. América, em BH/MG, com urgência!
Anulação do acordo injusto e sob coação, JÁ
6 - Mata do Jd. América em BH/MG, único pulmão de 11 bairros
de BH. Preservação INTEGRAL 100%, JÁ! v. 2
7 - MRS alega risco inexistente p expulsar
famílias, demolir casas, se apropriar Jd. Ibirité, Ibirité/MG
[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em
Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel
em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto
Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e
Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação
Bíblica), em Belo Horizonte, MG; colunista dos sites www.domtotal.com , www.brasildefatomg.com.br , www.revistaconsciencia.com , www.racismoambiental.net.br e outros. E-mail: gilvanderlm@gmail.com – www.gilvander.org.br – www.freigilvander.blogspot.com.br
– www.twitter.com/gilvanderluis
– Facebook: Gilvander Moreira III
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